terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Gerundismo

Me desejando discreta
mente não saber.
Me querendo à francesa.
Me adorando como o som
do gerúndio
devagar
divagando
sem me dizer.
Me curtindo em banho-Maria
pelas beiradas
para não se queimar.

E o tempo tiquetaqueando
na algibeira
na parede
no pulso.
E o tempo bangbangueando
assombrando
cobrando resultados
dizendo que não espera.

De uma forma ou de outra.
Seja como for.
Há uma aliteração certa:
Não há de sobrar só saudade!

sábado, 18 de dezembro de 2010

Porquinho-da-Hungria

Eu entrei e o porquinho-da-índia dele estava lá, na gaiola. Parecendo ser maior que a gaiola. Porque qualquer animal, por menor que seja, em uma gaiola, sempre parecerá ser maior que a gaiola, pelo simples fato de estar, e se saber, preso. Prossigo. Ele estava lá e eu cá. E eu gostava dele, embora seu olhar não afirmasse ser recíproco o sentimento. Tocou o telefone e o dono da casa precisou sair. Eu fiquei no seu quarto e pedi para que ele deixasse o bichinho comigo. Me olhou agradecendo o gesto e saiu. Entre eu e o animal se seguiu silêncio e só. Com certeza me olhava como sendo apenas um ser maior que ele e não, por isso, mais esperto. Aliás, me olhava com uma indiferença do tamanho da minha altura. Acendi um cigarro e olhei pela janela, o dia cinza, um tal de mormaço sem mar um tal de pássaro sozinho voando. Pássaro sozinho voando, parece quando você olha para o céu e só tem uma estrela. Olhei para o porquinho e ele estava de costas para mim, aquelas manchas pretas e brancas que me lembravam times de futebol e eu olhando para ele. Tive uma idéia! Olhei a estante com alguns livros e peguei um, como quem não quer nada, fazendo tudo de forma que o animal não percebesse meus movimentos. Escolhi Budapeste , um livro bonito mostarda, ali dando sopa. Daqueles livros que a gente compra e não lê e não lê porque continua comprando outros. Comecei a ler em voz alta e lá se foram uma, duas, três páginas e me perdi, me deliciando com o Chico. Quando subi à superfície me dei conta de que ele estava sentado olhando para mim. Não o Chico, o porquinho. Claro! Repito: Ele estava sentado olhando para mim. As patinhas são curtas , mas eu consegui perceber ainda assim, que as patas traseiras estavam mais inclinadas que as dianteiras, fazendo com que ele estivesse em uma posição levemente diagonal, ou seja, ele estava sentado. E olhando para mim. Com o olhar de gratidão. Olhar de gratidão é dom de animal que humano tem. E como se percebesse minha total surpresa e alegria me fez voltar a realidade, levantou e foi beber água. Ouvi a porta batendo e o outro humano tinha voltado e saímos. Quis ainda na saída um outro contato visual e nada. Tive aquele tempo que foi meu. O animal apenas passou os olhos por mim como se me mostrasse que a minha tentativa foi frustrada e que essa frustração também é do tamanho da minha altura.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Amor-tece-dor

Aos que escrevem, mando um recado: cuidado com o tal tema amor! Muito cuidado! Que esse assunto encontra sua plenitude no papel. O amor quer fazer barulho na ponta da caneta depois de bagunçar o coração. Temos que nos unir poetas. Falemos de outros assuntos, deixemos o amor de lado. Que não seja o amor - vício dos nossos corações - vício da nossa linguagem. Que o problema do amor é o fim. O problema do amor é sua rima pobre dor. Chega de amor em tudo que olho em tudo que vejo em tudo que enxergo. Chega! Que esgotemos todos os assuntos. Porque não podemos reclamar escassez de sobre o que falar. O amor é o papai noel de todas as épocas, aquilo que não existe , mas que se insiste em acreditar. Cresçamos amigos! Que o amor só serve mesmo para cegar gente sã, desconstruir. Não quero que meu papel sofra o que já sofro na pele. Retiro do meu vocabulário e da minha vida a palavra amor. Retiraria também do meu coração, mas isso é só um detalhe. Termino meu manifesto, meu protesto, meu apelo, contando um segredo: o perigo do amor é que ele só se renova com outro amor e às vezes demora tanto.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Irritouch

Estava precisando de um novo, o meu estava tão só fazendo ligações e além disso era prateado - as pessoas olham com olhos de reprovação para quem tem celular prateado hoje em dia. Fui na loja com uma sensação legal de fazer compras e aquele poder de poder comprar. Na vitrine, a gente se viu pela primeira vez, e foi amor. Sabe em filme, quando a criança bonita pede um cachorro para mãe bonita e aí na loja bonita ela olha pro cachorro e ele ta olhando pra ela, então, dessas coisas... O celular era grande e colorido e fazia de tudo. Foi ele. Comprei. O problema é que o que deveria ser solução se tornou um inferno: o tal touch. Ele não entendia meu toque. Eu apertava um número , ele outro. Eu queria uma função, ele rebelde, não funcionava. Foi aí que os meus dedos começaram a ficar carentes de botões e eu carente de paciência. Conclusão? O touch virou anúncio na internet e eu voltei para o prateado que estava sozinho no fundo da gaveta. Estou um pouco decepcionada com meu desempenho. Já estou crescidinha o bastante para que as tecnologias não me abalem mais, mas abalam. Outra conclusão? Deveria ter comprado um cachorro...