sábado, 18 de dezembro de 2010

Porquinho-da-Hungria

Eu entrei e o porquinho-da-índia dele estava lá, na gaiola. Parecendo ser maior que a gaiola. Porque qualquer animal, por menor que seja, em uma gaiola, sempre parecerá ser maior que a gaiola, pelo simples fato de estar, e se saber, preso. Prossigo. Ele estava lá e eu cá. E eu gostava dele, embora seu olhar não afirmasse ser recíproco o sentimento. Tocou o telefone e o dono da casa precisou sair. Eu fiquei no seu quarto e pedi para que ele deixasse o bichinho comigo. Me olhou agradecendo o gesto e saiu. Entre eu e o animal se seguiu silêncio e só. Com certeza me olhava como sendo apenas um ser maior que ele e não, por isso, mais esperto. Aliás, me olhava com uma indiferença do tamanho da minha altura. Acendi um cigarro e olhei pela janela, o dia cinza, um tal de mormaço sem mar um tal de pássaro sozinho voando. Pássaro sozinho voando, parece quando você olha para o céu e só tem uma estrela. Olhei para o porquinho e ele estava de costas para mim, aquelas manchas pretas e brancas que me lembravam times de futebol e eu olhando para ele. Tive uma idéia! Olhei a estante com alguns livros e peguei um, como quem não quer nada, fazendo tudo de forma que o animal não percebesse meus movimentos. Escolhi Budapeste , um livro bonito mostarda, ali dando sopa. Daqueles livros que a gente compra e não lê e não lê porque continua comprando outros. Comecei a ler em voz alta e lá se foram uma, duas, três páginas e me perdi, me deliciando com o Chico. Quando subi à superfície me dei conta de que ele estava sentado olhando para mim. Não o Chico, o porquinho. Claro! Repito: Ele estava sentado olhando para mim. As patinhas são curtas , mas eu consegui perceber ainda assim, que as patas traseiras estavam mais inclinadas que as dianteiras, fazendo com que ele estivesse em uma posição levemente diagonal, ou seja, ele estava sentado. E olhando para mim. Com o olhar de gratidão. Olhar de gratidão é dom de animal que humano tem. E como se percebesse minha total surpresa e alegria me fez voltar a realidade, levantou e foi beber água. Ouvi a porta batendo e o outro humano tinha voltado e saímos. Quis ainda na saída um outro contato visual e nada. Tive aquele tempo que foi meu. O animal apenas passou os olhos por mim como se me mostrasse que a minha tentativa foi frustrada e que essa frustração também é do tamanho da minha altura.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pássaro sozinho voando, parece quando você olha para o céu e só tem uma estrela.

obrigado.